Respirar o ar frio fez-me doer as costelas sovadas. Não havia muito a fazer quanto a isso. Havia uma doentia familiaridade na dor dos meus nós dos dedos inchados. Perguntei a mim próprio, com apatia, quando seria suficientemente velho e sensato para parar de me meter em lutas físicas.
O texto seguinte pode conter spoilers do livro “Sangue do Assassino”, terceiro volume da série Saga O Regresso do Assassino
Sangue do Assassino é o terceiro volume da série O Regresso do Assassino, segunda série da autora Margaret Ogden sob o pseudónimo Robin Hobb, publicada em português pela Edições Saída de Emergência. Corresponde, na verdade, à segunda metade do livro Golden Fool, iniciado em Portugal com o volume Os Dilemas do Assassino. Foi lançado em 2011 por terras lusitanas, com tradução de Jorge Candeias.
A leitura deste livro está incluído no desafio Vamos Viajar com Robin Hobb, por mim concebido o mês passado no âmbito do lançamento nacional do livro O Assassino do Bobo, em parceria com a Edições Saída de Emergência. Este desafio consiste na leitura de um ou mais livros desta autora. Se ainda quiserem participar, podem enviar-me até dia 8 de julho uma opinião a um dos livros de Robin Hobb que leram durante este período.

Uma amizade quebrada
A ação continua em torno de FitzCavalaria Visionário e as suas tentativas de preservar Torre do Cervo e a família real à qual pertence. O último livro terminou com a chegada da delegação de Vilamonte, exigindo apoio numa guerra aparentemente inevitável contra Calcede, o que coincidiu com o grito de revolta de Eliânia, a narcheska das Ilhas Externas prometida ao príncipe Respeitador. Ferida pelo desinteresse do noivo, a narcheska exigiu que apenas se casaria com ele caso o príncipe cortasse a cabeça a um dragão. Fogojelo, uma lenda das Ilhas Externas. Surpreendentemente, o príncipe aceitou o repto.
As gentes de Vilamonte abandonaram Torre do Cervo, assim como o séquito de Eliânia. À medida que os preparativos para a viagem do príncipe avançavam, FitzCavalaria, sob o disfarce do criado Tomé Texugo, via vários problemas a serem resolvidos. O Bobo parecia agora irreconhecível. A aparição de Jeque, mulher da delegação de Vilamonte, veio mostrar a Fitz uma nova perspetiva sobre o seu amigo de sempre, que se exibia agora como o nobre jamailiano Dom Dourado. Em Vilamonte, o Bobo fora visto como uma mulher de nome Âmbar, e havia esculpido a proa de um navio com o rosto de Fitz.
Os inúmeros rumores sobre a sexualidade de Dom Dourado e a relação entre ambos levaram Fitz a confrontá-lo, temendo que tais comentários chegassem aos ouvidos do seu filho adotivo, Zar. O Bobo revelou então a Fitz o seu amor por si, como sublinhou também nunca lhe ter pedido nada que não lhe quisesse dar. Um fosso de amargura ergueu-se entre os dois, e desde então o Bobo começara a lidar com Fitz como se fossem Dom Dourado e o seu criado Tomé, mesmo sem testemunhas à sua volta.

O círculo de Talento
A viagem do príncipe tornou também imperial que ele aprendesse as artes do Talento, o que se tornou de difícil realização depois de ele perceber que fora constrangido mentalmente por Fitz, com uma ordem de Talento. Ultrapassada a “birra” do rapaz, Breu conseguiu instar Fitz a tornar-se Mestre do Talento, pois tornou-se necessária a existência de um círculo capaz de proteger o príncipe durante a sua aventura. Obstinado em não deixar que envolvessem a filha Urtiga nesse projeto, Fitz aceitou forjar esse núcleo. O único possuidor de Talento à vista, no entanto, era Obtuso, o criado de Breu que, embora mentalmente retardado, revelou um dom incontrolável para a magia.
Apesar de Obtuso não gostar de Fitz, a quem chamou correntemente de “fedor de cão”, o Bastardo Manhoso conseguiu suborná-lo com um apito, um cachecol e muitos doces, levando-o a confiar em si. Através dessa confiança ténue, Fitz descobriu que Obtuso era um espião dos pigarços dentro da torre, levando-lhes informações confidenciais, mesmo que não as compreendesse. Ao descobrir que Louvovinho, o líder dos pigarços, encontrava-se na cidade, e exortado por Respeitador, que acreditava ter o seu amigo Cortês Bresinga em perigo, Fitz desceu à cidade.

Os Bresinga tinham sido utilizados pelos pigarços como isco para atrair Respeitador, e continuavam a ser manietados por eles, sob a ameaça de verem exposta ao mundo a sua natureza manhosa. Fitz encontrou Cortês à beira de ser estrangulado pelos homens de Louvovinho, e entrou em campo para o salvar. A intervenção de Fitz eliminou os pigarços em questão e um cavalo, animal de manha de Louvovinho, mas apesar de ter salvo a vida a Cortês, ficou gravemente ferido e sob a acusação de homicídio.
A ação concertada de Breu e de Dom Dourado transformou o criado num herói, através da história encenada de que os pigarços haviam roubado as penas coloridas de Dom Dourado, e que o seu criado os enfrentara para recuperar tais pertences. Porém, o resgate de Fitz e o regresso a Torre do Cervo não lhe curaria as feridas. Entre a vida e a morte, viu os seus amigos mais próximos a realizar uma tarefa inusitada. Os conhecimentos anatómicos de Breu, o imenso Talento de Obtuso, o controlo de Talento de Respeitador e a ligação que unia Fitz ao Bobo conseguiram-lhe reparar a terrível ferida.

A preparação para a viagem
A recuperação, porém, foi lenta. À medida que ia compreendendo que encontrara, finalmente, o Círculo de Talento de Respeitador, testemunhou também o descontrolo e sede de Talento de Breu, a quem a arte fora vedada desde sempre, por ser um bastardo. Tal preocupação enublou a relação entre ambos, e mesmo a quase morte de Fitz não restaurou a amizade entre este e o Bobo, que acreditava veementemente que a viagem com o príncipe tinha um propósito: não matar o dragão, mas encaminhá-lo, de modo a garantir a sua descendência.
FitzCavalaria mostrou-se preocupado com a viagem, com o Círculo de Talento e com os seus amigos e família, mas também com o futuro. Com a visão de Hênia, a aia da narcheska, após a morte de Louvovinho, tornou-se provável a influência da chamada Mulher Pálida, a suposta Profeta Branca que influenciou a Guerra dos Navios Vermelhos, na ameaça pigarça.
Um elo foi finalmente forjado entre a rainha Kettricken e os Manhosos, deixando que vários se tornassem seus serviçais, tentando afastar o estigma que assombrava os que se proclamavam de Sangue Antigo. Entre os novos servos estava Veloz, filho de Castro e Moli, o que atraiu novamente Fitz para o seu passado e para os seus terrores, quando, ao contactar a filha Urtiga através do Talento, foi sondado por uma voz terrível e enigmática.

SINOPSE:
OPINIÃO:
Se a ação deste livro não se desenvolveu rapidamente ou de forma apaixonante, posso dizer que dificilmente seria um livro melhor se tal tivesse sucedido. A maravilha desta história não é a narrativa em si, mas sim a forma como é contada. A Saga Regresso do Assassino não se foca em magias, em sede de poder ou em batalhas, mas sim na natureza humana. Temas como o estigma e o preconceito são bastante debatidos, através das várias nuances de personagens. Fez-me rir que um personagem como Fitz, estigmatizado e até “arrancado ao mundo” primeiro por ser bastardo e depois por ser manhoso, se tenha mostrado tão desconcertado com suspeitas de homossexualidade.
Ainda assim, a evolução do herói é digna de registo. Em alguns momentos, Fitz consegue ser mais maduro que o próprio Breu e, muito embora revele algum amadorismo na educação de Zar, os seus conselhos e advertências revelam muito do seu amadurecimento. A grande mais-valia de ler Robin Hobb é conhecer personagens credíveis e imperfeitos como Gina, a bruxa ambulante, que consegue ser uma pessoa tão palpável, real, que impressiona.

Também a relação entre Fitz e o Bobo é digna de destaque. Com tanta fantasia e irrealidade, vemos ali uma ligação extremamente humana, a prova visível como uma amizade pode levar anos a forjar-se e que basta um ato irrefletido para provocar danos irreversíveis. Tudo isto demonstra uma grande maturidade por parte da autora. Robin Hobb é maravilhosa a descrever relações, seja entre pessoas ou com animais, e é esse grande parte do seu mérito.
“A grande mais-valia de ler Robin Hobb é conhecer personagens credíveis e imperfeitos como Gina, a bruxa ambulante, que consegue ser uma pessoa tão palpável, real, que impressiona.”
Esta série tem um ligeiro problema que é, passo a redundância, o excesso de problemas com que o protagonista se depara em simultâneo. Ele tem de manter uma fachada, lidar com pessoas e as suas idiossincrasias, resolver atritos pessoais e as expectativas dos outros, preocupar-se com os filhos e com o uso desmesurado do Talento por parte dos seus alunos. Para além disso, tem uma viagem para preparar, a ameaça pigarça e o fantasma daquilo que os espera, a pairar no horizonte, quando for obrigado a lutar com mais inimigos e talvez dragões nas Ilhas Externas. Um rol de problemas que, ao mesmo tempo que se tornam cansativos, também acrescentam ritmo e uma sequência corrente de ações à narrativa.

A inclusão do contingente das Ilhas Externas e a promessa de criaturas sobrenaturais é um sopro de ar fresco nesta história de traço tão marcadamente medieval e credível. É, também, a expectativa em torno dessa demanda que me leva a desejar ter o próximo livro na mão o quanto antes. A temática da Manha tem sido até aqui muito bem explorada, mas – matem-me! – dei por mim a sentir também um certo preconceito para com os manhosos e para com as coisas que são capazes de fazer.
Resumindo, Sangue do Assassino resolve grande parte das questões levantadas em Os Dilemas do Assassino (trata-se do mesmo livro na versão original) e desenvolve de forma contínua e dinâmica as relações humanas entre os vários personagens. E, ainda que não esteja entre as personagens mais desenvolvidas, Kettricken continua a ser uma das minhas preferidas. Como é possível não a adorar? Tudo se encaminha para um final de série em grande, com os dois volumes finais.
Este livro foi cedido em parceria com a editora Saída de Emergência.
Avaliação: 9/10
Saga do Assassino (Saída de Emergência):
Saga O Regresso do Assassino (Saída de Emergência):
#3 Sangue do Assassino
Viva,
Fico contente que estejas a gostar e sem duvida que retratas muito bem o que o universo da escritora tem para dar, é sem duvida a minha escritora favorita e vem ai boas aventuras.
Ai o Bobo e Fitz que bela relação de amizade e ai da vai ser mais desenvolvida 😉
Abraço e continuação de boas leituras
Eu estou a terminar o segundo volume e não consigo encontrar este disponível em lado nenhum 😦 😦 😦 Aliás, já vi que o quinto volume sofre o mesmo destino…