Você tem opções, mas eis uma verdade: você não pode ser o que quer. A lista de coisas que você jamais será é longa, mesmo que viva para sempre. Quer saber qual é a principal? Um afável herbalista. Você é afável como um lobo, Kylar. Por que não confia em Elene o suficiente para pedir que ela ame o homem que você é de verdade?
O texto seguinte aborda o livro “À Margem das Sombras”, segundo volume da série Anjo da Noite
Na sequência de The Way of Shadows, o norte-americano Brent Weeks publicou no final de 2008 o livro Shadow’s Edge, pela Orbit. Segundo volume da trilogia de fantasia adulta The Night Angel (Anjo da Noite em português), o livro segue a jornada de redenção do personagem Kylar Stern após os eventos fatídicos do volume inaugural.
Publicado em português do Brasil pela Editora Arqueiro em abril de 2017 com o título À Margem das Sombras, este segundo volume foi traduzido por Alves Calado e tem um total de 416 páginas. Brent Weeks escrevia as suas ideias em guardanapos de bar e no seu caderno de professor. Muitos anos e milhares de páginas depois, embarcou na carreira dos seus sonhos. Natural do Montana, vive e trabalha no Oregon, com a esposa e a filha, e é um dos nomes mais elogiados da fantasia atual.

Minha gente, como falar de um livro que me apaixonou ao mesmo tempo que me desiludiu? Estranho, não é? Então vamos lá! O primeiro livro, Caminho das Sombras, foi um livro cheio de ritmo, de personagens, de diálogos icónicos e lutas de tirar o fôlego. Ainda assim, a amálgama de personagens, o excesso de volte-faces forçados e de clichés fez-me achar, no seu todo, um livro mediano. Mas se Caminho das Sombras foi um livro mediano, À Margem das Sombras foi um livro bom.
“A maior falha deste livro (…) foi a forma como abordou certos temas.”
A escrita fluída e rica é uma das maiores virtudes de Brent Weeks. Já o havia considerado no volume inaugural, e volto a sublinhá-lo agora. Os diálogos estão cheios de humor e sarcasmo, as descrições de batalhas, movimentos e cheiros, incríveis. O set é absolutamente apelativo. Os dedos das mãos não chegam para nomear as frases de efeito. Se À Margem das Sombras fosse um filme, seria um blockbuster.

A magia de Kylar e do seu ka’kari é complexa, assim como o uso do vir. Neste volume vemos a magia a ser utilizada muito mais livremente, e algumas explicações são dadas, assim como outras, dadas no primeiro volume, são desmentidas. Não é um sistema de magia perfeito, mas parece-me francamente bom.
“Weeks mostrou bom-humor ao fazer uma pequena referência a Star Wars, e gostei bastante da atitude do vilão nesse trecho.“
O destaque vai todo para o grafismo narrativo, que em muitos momentos pareceu inspirado em vários videojogos, para além das capacidades do protagonista me fazerem lembrar em muito a Vin de Mistborn. Não obstante, a textura dos cenários e cenas de ação foi uma das mais-valias do livro. Assim como os sentimentos foram palpáveis. Sentimentos como o medo, a desolação, a vergonha.

Com um ritmo mais pausado e um desenvolvimento de personagens incrível, a primeira metade do livro arrebatou-me. Encontramos Kylar Stern a tentar ser um homem melhor, a fugir da vida de derramador e a lutar por aqueles que ama. Encontramos Logan Gyre caído no Buraco, o chamado Cu do Inferno, onde pode encontrar o que de pior há na humanidade. E a cidade de Cenária a fenecer, arrebanhada pelas forças khalidori do Deus-Rei Garoth Ursuul, enquanto a esperança da civilização está nas mãos de um punhado de prostitutas, lideradas por Mama K., Jarl e… um personagem que julgávamos morto. [Não, não é Durzo.]
“a primeira metade deste livro prendeu-me de estaca, enquanto a segunda não me agradou tanto embora o ritmo tenha aumentado consideravelmente.”
Na minha opinião a Caminho das Sombras, disse que me agradaria ver personagens como Jarl e Elene mais desenvolvidos. E não é que foram? Conhecemos também uma personagem que, neste volume, roubou a cena. Falo de Viridiana Sovari, mais conhecida como Vi. Aprendiz de Hu Gibbet, o maior rival de Durzo Blint dentro dos derramadores, Vi age como a lâmina do Deus-Rei, ainda que me tenha parecido demasiado “mole” para quem já passou por tanto.

Também Ulyssandra Kirena foi uma personagem de destaque na primeira metade do livro. “Adotada” por Kylar e Elene, a menina foi não só o alívio cómico como conseguiu harmonizar aquele núcleo. Kylar ruma a Caernarvon na tentativa de deixar para trás a vida de assassino e formar uma família, trabalhando como boticário num negócio local. Apontamentos como a gestão da família, a hipótese de vender a espada Retribuição e comprar uns brincos “especiais” foram excelentes e convenceram-me como leitor.
A deusa Khali decidiu interferir pessoalmente no conflito armado, enquanto Terah Graesin se auto-proclamou rainha de Cenária, liderando as forças rebeldes ao Deus-rei. No entanto, foi um grito de revolta chamado Nocta Hemata, levado a cabo pelas mulheres cenárias transformadas em prostitutas pelos saqueadores khalidori, o que realmente fez tremer as forças de Ursuul. A ex-pirata Kaldrosa Wyn é um dos destaques dentro do lote imenso de personagens.

Dos Drake a Jenine Gyre, de Solon, Dorian, Feir a Lantano Garuwashi, da curandeira Drissa Nile à “descartável” Lilly, até à, aparentemente de grande importância futura, irmã Ariel, os personagens são imensos e quase todos com segmentos de capítulo POV, ainda assim pareceram-me, neste segundo volume, um elenco mais bem construído e desenvolvido. Como referi, a primeira metade deste livro prendeu-me de estaca, enquanto a segunda não me agradou tanto embora o ritmo tenha aumentado consideravelmente.
“Que cliffhanger, Brent Weeks. Que cliffhanger!”
O Deus-Rei, por exemplo, pareceu-me um vilão bastante arquetípico, plano e cliché em toda a sua sodomia. Muito embora não me tenha agradado, a cena em que Kylar e Vi o abordam foi aquela em que pudemos ver mais e melhor deste personagem. Weeks mostrou bom-humor ao fazer uma pequena referência a Star Wars, e gostei bastante da atitude do vilão nesse trecho.

A maior falha deste livro, porém, foi a forma como abordou certos temas. Os personagens tinham o mundo a quebrar-se à sua volta e pareciam muito mais preocupados com a sua sexualidade. Neste livro, todas as mulheres eram virgens ou prostitutas, e não bastava só um, não, Kylar, Logan e Elene sofreram vários dilemas por ainda serem virgens. A mitologia também me pareceu muito confusa e com pouco sentido.
Ainda assim, quem pode ter ficado desapontado com algum destes pormenores, ainda não havia chegado ao fim do livro. Aquele epílogo é de deixar qualquer um a babar pelo próximo volume. Que cliffhanger, Brent Weeks. Que cliffhanger! À Margem das Sombras não é dos melhores livros de ficção fantástica que já li, mas não é mentira que foi uma leitura bem saborosa. Que venham mais.
Avaliação: 8/10
Anjo da Noite (Arqueiro)
#2 À Margem das Sombras
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