Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo.
O TEXTO SEGUINTE ABORDA O LIVRO CEM ANOS DE SOLIDÃO
Publicado em 1967, Cem Anos de Solidão é uma das obras mais incontornáveis de Gabriel Garcia Márquez, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1982 e falecido em 2014 na Cidade do México. Considerado um dos autores mais importantes do século XX, Márquez foi um dos escritores mais admirados e traduzidos em todo o mundo, com mais de 40 milhões de livros vendidos em 36 idiomas. Foi considerado o pai do chamado realismo mágico, um subgénero de Ficção Especulativa difundido nos países da América Latina.
Foi com Cem Anos de Solidão, que viria a ser considerada uma das maiores obras-primas contemporâneas e traduzida em todas as línguas do mundo, que Garcia Márquez atingiu o reconhecimento. E foi o sucesso deste livro, a biografia fictícia da família Buendía-Iguaran, que o levaria a colecionar prémios, entre eles o tão famoso Prémio Nobel. Li a edição da Dom Quixote, com um total de 336 páginas e tradução de Margarida Santiago.

Não é difícil perceber porque Cem Anos de Solidão se tornou uma obra tão célebre em todo o mundo. Num livro de tamanho relativamente pequeno, Gabriel Garcia Márquez escrutina as peculiaridades mais virtuosas e as mais negras da face humana, sempre numa toada leve e com um diálogo extremamente fluído, uns toques de humor aqui e ali e o claro intuito de subverter convenções. O autor fez aquilo a que se comprometeu, mesmo que não me tenha empolgado.
“Cem Anos de Solidão é acima de tudo um convite à reflexão.“
A escrita do autor colombiano é bastante boa, as passagens sucedem-se e não tenho qualquer problema em confessar que li o livro em dois dias. A história também tem qualidade. As peculiaridades da família protagonista são bem interessantes e os volte-faces que aquelas personagens vivem têm muito de intemporalidade, bem como de reflexão sobre a natureza humana. Porém, como um todo, achei que o livro podia ter sido uma experiência bem mais enriquecedora.

Digo isto porque, a dado momento, achei que para além de as histórias se repetirem sem muito que as demarcasse umas das outras, e para além de as personagens terem quase todas os mesmos nomes, o que me provocou alguma confusão em determinados momentos da leitura, não consegui criar grande empatia com elas. E creio que é aqui que encontrei o meu maior problema com o texto do autor colombiano, e digo “meu problema” porque não tenho como o apontar como um erro, uma vez que se trata de uma escolha narrativa.
Garcia Márquez escreveu o livro como quem narra uma história de forma oral, tudo bem que com linhas de diálogo aqui e ali, mas a maior parte do tempo contando como foi, em vez de nos mostrar realmente o dia a dia daqueles atores literários. Por vezes senti que quando me estava a afeiçoar a uma personagem, o autor mudava a direção da história para outro. Ainda assim, gostei do estilo de prosa do autor, que por vezes nos spoilou com mortes antes de elas acontecerem.

A história passa-se numa aldeia fictícia da América Latina chamada Macondo, fundada pela família Buendía-Iguarán. A primeira geração desta família peculiar é formada por José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán, que tiveram três filhos: José Arcadio, um rapaz forte, viril e trabalhador; Aureliano, filosófico, calmo e introvertido; e Amaranta, a típica dona de casa de uma família de classe média do século XIX. A estes, juntar-se-ia Rebeca, que foi enviada da antiga aldeia de José Arcadio e Úrsula, sem pais.
“Não é difícil perceber porque Cem Anos de Solidão se tornou uma obra tão célebre em todo o mundo.”
A história desenrola-se à volta desta geração e dos seus filhos, netos, bisnetos e trisnetos, com a particularidade de que todas as gerações foram acompanhadas por Úrsula, que viveu entre 115 a 122 anos. É através dela que temos a perceção de que as características físicas e psicológicas dos seus herdeiros estão associadas a um nome: todos os José Arcadio são impulsivos, extrovertidos e trabalhadores enquanto que os Aurelianos são pacatos, estudiosos e muito fechados no seu mundo interior.

Os Aurelianos têem, ao longo do livro, a missão de desvendar os misteriosos pergaminhos de Melquíades, o Cigano, que foi amigo de José Arcadio Buendía, pergaminhos estes que encerram o futuro de todos os membros da família, apenas decifrados quando o último da estirpe estiver às portas da morte. Pairado de uma aura quase mágica, especialmente nos escritos do cigano, nas visões de Úrsula e nos rabos de porco que nascem a alguns membros da família, Cem Anos de Solidão é acima de tudo um convite à reflexão.
Gostei do livro, tanto das introspecções a que ele nos obriga, como da crítica sócio-política à América Latina no mundo em que o autor cresceu e se desenvolveu. Mas sinto que andei à deriva em muitos momentos, por situações que não levaram absolutamente a lugar nenhum, sem que houvesse um momento para nos afeiçoar às personagens, sem qualquer profundidade narrativa. Foi um livro com uma temática interessante e uma prosa lindíssima, que se perdeu na abordagem.
Avaliação: 6/10
Um comentário em “Estive a Ler: Cem Anos de Solidão”