O monge temia-me, porque a minha vida e morte estavam para além da sua compreensão.
O TEXTO SEGUINTE ABORDA O LIVRO “A MORTE DOS REIS”, SEXTO VOLUME DA SÉRIE AS CRÓNICAS SAXÓNICAS
Como eu gosto disto! Publicado em 2011 no Reino Unido com o título Death of Kings, A Morte dos Reis é o sexto volume da série As Crónicas Saxónicas de Bernard Cornwell, continuando a história anteriormente narrada em O Último Reino, O Cavaleiro da Morte, Os Senhores do Norte, A Canção da Espada e Terra em Chamas. Falo de uma saga de ficção histórica que relata os feitos de um conquistador fictício chamado Uthred de Bebbanburg nos anos difíceis do século IX, em que o rei Alfredo do Wessex tentou defender as terras saxãs do avanço mortífero dos dinamarqueses.
A série foi adaptada para a televisão pela BBC com o título The Last Kingdom, à qual se devem as imagens reproduzidas nas capas e o material promocional desta edição nacional. Com um total de 336 páginas e tradução de Neuza Faustino, A Morte dos Reis chegou às livrarias portuguesas para voltar a encantar os fãs de Bernard Cornwell e da história destes vikings.

A Morte dos Reis tem batalhas, intriga política, traição e muita, muita estratégia militar. O autor consegue mais uma vez fazer-me mergulhar naquele mundo tão cinzento e respingado de sangue, com os frutos do trabalho de Alfredo do Wessex a fazerem-se sentir com maior intensidade. Mas, numa fase inicial, senti-me algo aborrecido com a chamada de atenção do autor para quem era este e aquele, como se o leitor tivesse lido o livro anterior há uma década; justifica-se com as personagens mais secundárias, mas com as principais?
“Esta série é das melhores narrativas de ficção histórica que já conheci…”
No sexto volume de As Crónicas Saxónicas, Cornwell volta a maravilhar com a inteligência das suas personagens, a elegância e firmeza que nelas podemos encontrar e a descrição fluída e credível das estratégias militares. Ele criou um protagonista sólido, um guerreiro sem igual com um pouco de ingenuidade que não lhe rouba uma mente estratega incrível. O autor faz também justiça a personagens históricas de ambas as facções, naquele que é um dos livros da saga que mais se foca no pensamento da Inglaterra como um todo.
Ou não estivéssemos a falar no legado de Alfredo. Uhtred vê-se obrigado a recorrer às suas habilidades de estratega neste livro como nunca antes, uma vez que, apesar de se ver a maioria das vezes na posição de defensor, os seus inimigos encontram-se sempre em maior número. Estamos a falar de um saxão que foi criado entre os dinamarqueses e que por muito que ame a sua cultura e zombe dos credos cristãos, acaba sempre por se ver preso a juramentos e ao amor por alguns saxões.

Uthred vive no fio da navalha entre os valores saxões, o seu juramento a Alfredo do Wessex e à sua natureza selvagem, adepta dos deuses dinamarqueses. Mas tem também de lidar com uma boa dose de traições, nomeadamente de alguns aliados ou antigos amigos, de ambos os lados. E é de realçar o sentimento de quase orfandade que se vive após a morte de Alfredo, logo ele de quem Uthred nunca conseguiu gostar verdadeiramente, apesar da sua verdadeira admiração pelo rei.
É nesse momento de tensão e incerteza no reino, em que as intrigas políticas se começam a mover, que Uthred precisa de defender Eduardo, o primogénito de Alfredo, da cobiça dos demais. Há o volúvel Eohric, os dinamarqueses Sigurd, Cnut e Haesten, Æthelwold, o sobrinho do rei, e Sigelf, o senhor do Cent que tem o seu filho Sigebriht a conspirar com os dinamarqueses pela independência. Claro está que ainda paira sobre Uthred a sombra do governante da Mércia, o seu primo Ælthered, que não lhe perdoou a relação adúltera que Uthred vive com a sua esposa e filha de Alfredo, Æthelflæd.

Com várias questões a serem discutidas, da lealdade de Uthred à legitimidade dos pequenos filhos de Eduardo, A Morte dos Reis começa com a profecia de uma bruxa chamada Ælfadell com ligações ao dinamarquês Cnut, profecia que decreta a morte de vários reis, deixando Uthred tão confuso quanto desanimado, embora não acredite plenamente no seu talento. O reino de Alfredo, porém, pode desintegrar-se, e os seus sonhos de recuperar Bebbanburg, a herança da Nortúmbria que lhe foi roubada, têm de ficar para depois, ou o predomínio saxão naquelas terras desaparecerá.
“Mas é Uthred a alma da saga.“
A Morte dos Reis começa com cenas de batalha que me pareceram que o livro seria um pouco mais do mesmo, o que acabou por não ser bem assim. Quando a intriga política começa a funcionar, o livro ganha outro alento, e acabei por gostar muito de ver testada a inteligência de Uthred. Também apreciei bastante personagens como Osferth, o filho bastardo de Alfredo, o próprio Eduardo ou Æthelflæd, que me surpreenderam em vários momentos.

Mas é Uthred a alma da saga. Uma personagem incrível em todos os aspetos. Mais do que a sua própria inteligência ou habilidade em combate, o que mais me agrada nele é a forma como os outros o encaram. Sejam reis, padres ou senhores da guerra, todos o respeitam e o temem e as suas reações para com ele, por mais diferentes que sejam, refletem isso mesmo, ainda que ele não o compreenda sempre e continue a olhar para si mesmo com uma grande parcela de humildade.
O livro é sobre tudo isto e sobretudo sobre a formação da Inglaterra como a conhecemos hoje. Uthred é apenas um instrumento narrativo que o autor utilizou para apresentar a sua versão dos factos. A conquista de Bebbanburg, a fortaleza que lhe foi roubada, poderá esperar, pois não é sobre ela que a história fala. Não é sobre ela que a História de Inglaterra fala.
O destino é inexorável.
Se o início do livro me pareceu pouco interessante, as intrigas políticas no Wessex e a estratégia militar que vemos acontecer depois ultrapassa tudo isso. As estratégias e batalhas dos últimos capítulos são completamente deliciosas. Não há que enganar. Esta série é das melhores narrativas de ficção histórica que já conheci e o trabalho da Saída de Emergência merece as minhas melhores laudas.
Este livro foi cedido em parceria com a editora Saída de Emergência.
Avaliação: 8/10
As Crónicas Saxónicas (Saída de Emergência):
#6 A Morte dos Reis
Oie,
Ja li e subscrevo mais uma grande leitura a meu ver era desnecessário o spoiler da morte de Alfredo na sinopse e mesmo estranhei um pouco os dinamarqueses conseguirem unir-se todos, marcharem para a fragilizada Londres e…mas está excelente sem duvida.
Abraço
Fiacha
Viva.
Também achei desnecessário o spoiler.
Quanto aos dinamarqueses não foram todos, mas corresponde às grandes alianças que se deram naquela altura.
Abraço. 🙂