O príncipe Vassili falava sempre com indolência, como um ator recitando um papel conhecido de há muito. Anna Pavlovna Scherer, pelo contrário, era, a despeito dos seus quarenta anos, cheia de vivacidade e de impulsos.
O TEXTO SEGUINTE ABORDA O LIVRO GUERRA E PAZ
Guerra e o Paz é um dos maiores clássicos do séc. XIX. Trata-se de um romance histórico escrito pelo autor russo Liev Tolstói publicado entre 1865 e 1869 no Russkii Vestnik, um periódico da época. É também uma das obras mais volumosas da história da literatura universal, motivo pelo qual várias editoras o publicam entre dois a quatro volumes. O livro narra a história da Rússia durante a época de Napoleão Bonaparte, nomeadamente durante as guerras napoleónicas na Rússia.
A riqueza e realismo de seus detalhes, assim como suas numerosas descrições psicológicas fazem com que seja considerado um dos maiores livros da História da Literatura. Guerra e Paz foi traduzido em Portugal por diversas vezes, sendo as mais conhecidas a da Editorial Presença, a da Relógio D’Água e a da Saída de Emergência. Foi esta última, dividida em dois volumes, que escolhi para a minha leitura. O primeiro tomo tem um total de 672 e o segundo 688 páginas.

Guerra e Paz não é um livro de fácil degustação e posso dizer com segurança que não é um livro para ler de uma assentada. Se conseguirem ler cada uma das suas partes de forma calma e proveitosa, fazendo uma pausa entre elas e ter a capacidade de absorver aquilo que ali foi escrito, talvez tenham uma das leituras da vossa vida. É um livro profundo e riquíssimo, não só a nível técnico e de verdade histórica, como também introspetivo e filosófico, que obriga a uma grande concentração e interesse naquele período histórico.
“É um livro de incontornável importância e de qualidade, mas foram tantas as vezes que me aborreceu como aquelas em que me entusiasmou.”
Demorei cerca de um mês e meio a ler o livro, sentindo-me obrigado por diversas vezes a colocar outros pelo meio. Não foi, de todo, uma má leitura, mas mesmo assim penso que poderia ter sido mais proveitosa se o tivesse lido sem o impulso e a vontade constante de chegar ao fim do livro. Para mim, pessoalmente, foi um livro que não funcionou de todo, e com muita pena minha. É um retrato fiel de uma época e a sua qualidade é inegável.

Gostei da escrita de Tolstói e também da história que o livro reproduziu. O grande problema dele é realmente o seu volume imenso. Guerra e Paz começa com grande ímpeto, costurando intrigas e tramas políticas com mestria. Posso dizer até que a primeira parte do livro é a mais interessante do mesmo. Depois arrasta-se por capítulos intermináveis a narrar historietas de amores dignas de telenovela, uma das características predominantes da literatura russa de então mas que, realmente, fizeram a leitura estagnar.
As estratégias militares são dignas de nota, mas tenho que confessar que, estando já tão aborrecido com a história, passei por muitas delas sem lhes prestar grande atenção. Pior que os dramas amorosos dos protagonistas, são as páginas em que Tolstoi começa a filosofar e a dar a sua opinião pessoal sobre certos temas. A descrição de conversas triviais do dia a dia acaba por ter mais expressão do que certos acontecimentos históricos que deviam ter suma importância na narrativa. Todavia, a minha experiência de leitura e o meu gosto pessoal não atenua a relevância de Guerra e Paz.

Estou a falar de um livro fatalista e profundamente reflexivo, onde Tolstoi explora a questão do livre-arbítrio e questiona a liberdade como uma verdade comportamental do Homem. As descrições de batalha são incríveis e adorei a credibilidade que elas espelham. Tolstoi é extremamente credível, como exemplifica ao mostrar que os exércitos estão tão absortos na batalha que será ali impossível que cumpram as ordens de comando.
“Guerra e Paz não é um livro de fácil degustação e posso dizer com segurança que não é um livro para ler de uma assentada.”
O conceito de drama russo é revelado aqui em toda a sua extensão. Não sou mesmo fã deste tipo de literatura, mas é incontornável a sua preponderância na nossa História e a influência para todo um punhado de escritores nos séculos consequentes. Do romantismo das personagens à ironia utilizada, passando pela interacção extremamente fiel entre personagens reais e personagens fictícias, Liev Tolstoi mostrou que não há uma fórmula única para contar uma história e fazê-lo com sucesso.

Dividido em quatro livros originais, Guerra e Paz foi escrito em russo com várias passagens em francês, língua que era usada predominantemente nos salões da elite russa de então. Até mesmo durante a guerra os nobres estudavam línguas e aprendiam francês desde muito novos. A ação ocorre entre 1805 e 1820, destacando a Paz de Tilsit e a Campanha da Rússia. Além das batalhas de Schoengraben, Austerlitz e de Borodino, Tolstói descreve também com tato a vida aristocrata da Rússia czarista, abordando a servidão e as sociedades secretas num contexto de guerra.
Ha imensos personagens em Guerra e Paz, mas pode ser considerado o seu protagonista Pierre Bézoukhov, por ser a personagem que melhor conhecemos ao longo do livro. São também importantes as personagens príncipe Andrei, um homem de valores elevados e imagem reta, que vê a sua vida mudar bastante ao longo do livro ou Nikolai Rostov, um rapaz cheio de patriotismo e espírito bélico. A primeira parte foca-se na apresentação de personagens e da conjuntura social, política e militar que se vivia naquele período específico.
A narrativa parte então para o desenvolvimento emocional das personagens, para os acontecimentos mais triviais do quotidiano e para os dilemas amorosos. A questão sócio-política e militar continua a ser explorada com grande mérito, mas Tolstoi aproveita os períodos de menos ênfase bélico, com as pausas nas guerras napoleónicas, para desenvolver os núcleos e o drama pessoal dos protagonistas. Personagens como Natasha, Pierre ou Sonia vão ganhando destaque nos círculos íntimos da aristocracia russa.

Questões existenciais vão então fazendo cama na estrutura do livro, mostrando Guerra e Paz como um livro filosófico, que questiona o quanto somos nós responsáveis pelos trilhos da nossa vida. Sendo um livro extremamente envolvente por explorar essa vertente, questionando a liberdade e o livro-arbítrio e considerando-o verdadeiramente falso face à força do destino, consegue trazer também a debate pensamentos existencialistas, ao mesmo tempo que se destaca como um drama amoroso e como um manual sobre estratégia militar.
Mas se o drama amoroso me passou completamente ao lado e me enfastiou, na melhor tradição da literatura russa (laugh) as descrições militares acabaram por ser as porções que mais me agradaram. As filosóficas pareceram-me importantes para a data em que foram escritas, mas a mim hoje não me disseram nada em que não tivesse já pensado ou visto explorado. Em alguns momentos até li certos trechos como verdades de la Palice. É um livro de incontornável importância e de qualidade, mas foram tantas as vezes que me aborreceu como aquelas em que me entusiasmou.
Avaliação: 5/10
Imagem de capa: https://pt.best-wallpaper.net/War-and-Peace-TV-series-2016_wallpapers.html (Reprodução)
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