De onde me virá a impressão que na casa, apesar de igual, quase tudo lhe falta?
O TEXTO SEGUINTE ABORDA O LIVRO ARQUIPÉLAGO DA INSÓNIA
O Arquipélago da Insónia é um livro de António Lobo Antunes, publicado em 2008 pelas Edições D. Quixote com um total de 264 páginas. O autor estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa e especializou-se em Psiquiatria, tendo exercido a profissão de médico psiquiatra durante anos. Em 1970 foi mobilizado para o serviço militar, o que o fez rumar a Angola no ano seguinte, tendo regressado dois anos depois.
Em 1979 publicou os seus primeiros livros, Memória de Elefante e Os Cus de Judas, a que se seguiu, em 1980, Conhecimento do Inferno. Estes primeiros livros transformaram-no imediatamente num dos autores contemporâneos mais lidos e discutidos no âmbito nacional e internacional. Lobo Antunes venceu o Prémio Juan Rulfo 2008, o Prémio Camões 2007, o Prémio Jerusalém 2005, o Prémio Ovidio 2003 e o Prémio Europeu de Literatura 2001. A obra de António Lobo Antunes encontra-se traduzida em inúmeros países e recentemente foi anunciada a sua edição na prestigiosa coleção Pléiade.

António Lobo Antunes é aquele eterno candidato ao Nobel da Literatura em terras lusitanas e era de certa forma constrangedor para mim nunca ter lido um livro da sua autoria. Acabei por optar ler um livro seu que nem é dos mais conhecidos, O Arquipélago da Insónia, por uma razão estratégica. Não quis ler algo demasiado recente, nem um mais antigo, onde a sua escrita poderia não estar tão amadurecida. Este romance de 2008, o seu vigésimo, acabou por ser uma opção mais do que válida para o efeito.
“O Arquipélago da Insónia é um convite a permanecer acordado, sonhando os sonhos agitados e pouco nítidos de um narrador com muitas histórias para contar.“
O livro deixou-me uma sensação agridoce na boca. Por um lado, é evidente a mestria literária de Lobo Antunes. Cada palavra é uma emoção, um sentimento, um hino à literatura e à língua nacional. Cada uma revela-se um clarão de luz num mundo escuro, uma bofetada contra a estupidificação, um acrescento a nós próprios. Há aqui uma cadeia de palavras que por menos sentido que possam parecer fazer, fazem todo o sentido. Senti cada linha com maravilhamento e entusiasmo.

Desta forma, de cada vez que comecei um capítulo, só consegui parar para respirar quando o terminei. Para isso contribuiu e muito o facto de não existir um único ponto final até à última linha de cada capítulo. Cada um deles é uma cadeia difusa de ideias, um contar de história entrecortado que nos assoberba com a sua prosa anticlimática. Imaginem-se a ler um capítulo inteiro de um livro sem respirar, de um só fôlego, pois é muito disto O Arquipélago da Insónia.
Por isso, também se revela uma leitura cansativa. Não é um livro que nos faça relaxar ou que nos entretenha, mas que nos estimula e obriga a pensar e a rearranjar ideias. É um livro extremamente complexo, com os seus emaranhados de intriga. Imaginem um livro normal como um passeio à beira-mar. O Arquipélago da Insónia obriga-vos a correr, e muito, como o personal-trainer mais exigente.
Também a forma como a história é apresentada, o seu fio de intrigas, nos deixa completamente de rastos. É essa teia de acontecimentos de difícil compreensão, que nos confunde e inquieta, porém, o que torna a narrativa mais desgastante. Podemos admirar a escrita de um autor e até nos dispormos a acompanhá-lo a ritmo de corrida, sem pausas, mas essa tarefa torna-se extenuante e até inválida se não conseguimos compreender quem é quem, quem está a falar ou sobre quem estamos a ler.

Lobo Antunes apresenta-nos um protagonista sui generis, o neto de uma qualquer família abastada que, no regresso às suas origens alentejanas, revisita os rostos nas molduras de família e recorda, ou imagina, acontecimentos que marcaram a vida trágica dos mesmos durante o tempo em que aquela mansão foi habitada. É um livro que revela por camadas os eventos fulcrais de uma família e todos os preceitos que a vida rural obriga. Amores, ódios, assassinatos e traições permeiam grande parte da obra.
Sempre, porém, a partir do olhar de um narrador passivo, de braços e pés atados, constrangido pelas suas próprias particularidades. Um homem autista que recorda o seu avô poderoso, a vida no casarão e a gestão das terras, tudo de uma forma muito confusa, como uma matrioska, acontecimentos dentro de acontecimentos dentro de acontecimentos. Um relato que não deixa de ser entusiasmante mas que obriga o leitor a ser obstinado e perseverante, até chegar ao último terço do livro e finalmente compreender alguma coisa da história.

De entre as personagens que me despertaram mais interesse, talvez pelo seu mistério, foram Maria Adelaide, o feitor e o padre. Foi um livro de que gostei, tanto da escrita como da história, mas que me deixou extenuado e confuso demasiado tempo para que de facto lhe possa dar uma avaliação mais proeminente. É uma prova de fogo para quem gosta de ler.
Ainda assim, quero conhecer mais deste escritor, tentar perceber se a sua narrativa comum se assemelha a este romance, se nela consigo ouvir os ecos das suas personagens e a sua incessante demanda pela reflexão e pela memória. O Arquipélago da Insónia é um convite a permanecer acordado, sonhando os sonhos agitados e pouco nítidos de um narrador com muitas histórias para contar.
Avaliação: 6/10
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