Como sempre, palavras como aquelas deram-me uma alfinetada de dor. Seria realmente o Bobo só mais um disfarce, um companheiro imaginário inventado para mim?
O TEXTO SEGUINTE ABORDA O LIVRO “A VIAGEM DO ASSASSINO”, QUARTO VOLUME DA SAGA ASSASSINO E O BOBO
Realm of the Elderlings aproxima-se do fim. A incrível macrosaga de Robin Hobb iniciada em 1995 termina com Assassin’s Fate, último volume da quinta série da autora, intitulada Fitz and the Fool Trilogy. Publicado em 2017, este livro derradeiro da história de FitzCavalaria Visionário venceu o Gemmell Legend Award para Melhor Romance este ano, e foi lançado em Portugal a tempo da visita da autora ao nosso país, no âmbito do Festival Bang! 2018, no passado mês de outubro.
Este A Viagem do Assassino, porém, não é o último livro da saga em terras lusitanas, uma vez que as trilogias da autora são por cá dividas em cinco volumes. O último está então agendado para abril do próximo ano e será intitulado O Destino do Assassino, publicado como sempre na Coleção Bang! da Saída de Emergência. O quarto volume da Saga Assassino e o Bobo tem tradução de Jorge Candeias, como vem sendo hábito, e um total de 464 páginas.
Começam a faltar-me palavras para caracterizar uma série que me conquistou a todos os níveis. O volume inaugural desta Saga Assassino e o Bobo foi a minha melhor leitura do ano passado e Robin Hobb tornou-se a minha autora de referência, pelo que ultrapassar a fasquia em que já a coloquei é por demais dificílimo. E apesar de ser muito fácil começar a perder entusiasmo pela escritora, uma vez que já toquei no pico das expectativas, este volume não me desapontou.
“Todos os livros desta série até aqui têm sido maravilhosos da forma como foram escritos, e este não é excepção.“
O facto de o livro ser dividido faz com que, inevitavelmente, não tenha aqui as conclusões que tanto desejava, pelo menos algumas delas. E juntar a isso ainda não ter lido as séries-interlúdio Mercadores dos Navios Vivos e Crónicas dos Ermos Chuvosos, que não foram publicadas em Portugal, faz-me perder uma boa dose de referências. Esses são talvez os aspectos mais negativos que tenho a apontar a este livro, mas isso não é responsabilidade da autora. Adiante.
No entanto, sinto que a editora tem feito um bom trabalho. Não só a tradução de Jorge Candeias é incrível e consegue transmitir toda a textura e ternura que envolve a obra de Robin Hobb, como as edições são cuidadas e as capas lindíssimas, preservando o bom trabalho que os ilustradores internacionais, nomeadamente Alejandro Colucci, têm dedicado a esta obra. A velocidade com que têm publicado esta última saga, com três livros este ano de 2018, também é de salutar.
Por sorte, o meu interesse na obra da autora fez-me pesquisar sobre as tramas e as personagens das séries que não foram publicadas (pelo menos ainda!) no nosso país, e foi com boa surpresa que encontrei por aqui personagens da saga Mercadores dos Navios Vivos como Wintrow, Malta, Alteia ou Modelo Ideal, bem como os protagonistas das Crónicas dos Ermos Chuvosos, Capitão Leftrin, Alise e Thymara. Se vierem a publicar estas séries haverá alguns spoilers neste livro, mas ainda acho que seria interessante.
Durante a leitura de A Viagem do Assassino senti que uma ou outra referência me foram escapando, mas a verdade é que o foco desta trilogia e deste livro em particular é a viagem de FitzCavalaria para Clerres, procurando vingança pelo que fizeram à sua filha, enquanto esta tenta sobreviver como pode às garras dos terríveis Servos. Nesse sentido, achei que a narrativa continuou bastante morosa para os assuntos que a autora precisava resolver neste livro. Afinal, é a conclusão final da saga.
“Começam a faltar-me palavras para caracterizar uma série que me conquistou a todos os níveis.“
E apesar de a ação ser fluída e os acontecimentos serem vários, senti a evolução da trama lenta, porque falta um volume, metade do original, para toda a história de FitzCavalaria chegar ao fim e ainda estamos a meio de uma viagem para chegar ao local onde se encontram os seus inimigos. Hobb volta a fazer os acontecimentos finais ocorrerem demasiado depressa em comparação com a velocidade que foi imprimindo à narrativa, assim como fez nas sagas anteriores. Pessoalmente, preferia que ela doseasse melhor o ritmo no seu todo.
Mas não é para falar na conclusão da saga, que ainda não li, que escrevo esta recensão. É para falar deste livro em particular e para isso devo alhear-me à série como um todo ou até à proximidade do seu capítulo terminal. Como Hobb nos habituou, A Viagem do Assassino é mais um livro belíssimo, muitíssimo bem escrito, agridoce e terno, explorando meticulosamente o espírito e o comportamento das nossas personagens preferidas, estejamos a falar de Fitz, do Bobo ou de Abelha.
Mais uma vez, as revelações são muito bem entregues e doseadas, os encontros e desencontros das personagens muito bem pensados, as dicotomias e dilemas dos seus protagonistas extremamente bem aprofundados. Temos aqui um livro incrível a nível de história, valor com que coexiste uma escrita assertiva, elegante e terna, ou não estivéssemos a falar da pena de uma senhora com uma bagagem literária e experiência de vida incríveis.
Os meus elogios à sua escrita, porém, são já conhecidos, basta revisitarem as minhas opiniões anteriores à obra de Robin Hobb. Se O Assassino do Bobo foi um dos melhores livros que já li na vida, A Revelação do Bobo surpreendeu-me pelas revelações chocantes que envolveram as histórias de Breu e Kettricken e A Demanda do Bobo fez-me vibrar com os sentimentos de vingança de FitzCavalaria. O que destaco neste A Viagem do Assassino foram as faíscas que ele soltou na minha mente.
“Robin Hobb continua a conquistar-me com tudo o que escreve, com tudo o que diz, com a forma generosa e honesta com que continua a contribuir para que a fantasia épica seja encarada com a seriedade que merece.“
De facto, ao longo da leitura comecei a juntar peças aqui e ali, algumas fizeram um sentido que não estava à espera e desenvolvi palpites sobre o final desta história que me irão maravilhar se de facto se confirmarem. Se esses palpites me deixaram em polvorosa, imagino o que poderão fazer a quem não se tenha apercebido de algumas pistas talvez evidentes que este volume proporcionou. Não vou falar mais disso, mas os próximos paragráfos deixarão alguns minor spoilers deste livro, que correspondem a grandes spoilers relativamente aos volumes anteriores.
Uma das mais-valias deste livro é ele dar mais destaque aos capítulos de Abelha que A Revelação do Bobo e A Demanda do Bobo. A filha de FitzCavalaria atravessou um portal de Talento com os seus captores: Dwalia, uma sacerdotisa Branca que foi criada e talvez amante de Ilistore, verdadeiro nome daquela que é comummente conhecida como Mulher Pálida, Alaria e Reppin, que tentam garantir a sua aceitação, Vindeliar, o estranho rapaz Branco com a capacidade de manobrar mentes à sua vontade, e Kerf, um mercenário calcedino.
Por mais vezes que Abelha tente fugir, é sempre apanhada por Dwalia e os seus sequazes, que não a poupam a brutais espancamentos e maus-tratos, mesmo acreditando que ela possa ser o Filho Inesperado de que falam as profecias. A viagem até Clerres é confusa e desastrosa, obrigando-os a passagens por portais de Talento, um dos quais os faz parar em Calcede, uma cidade portuária parcialmente destruída por dragões. Mas Abelha não está sozinha, uma vez que a figura mental do Pai-Lobo a aconselha e acompanha a cada momento.
Por sua vez, FitzCavalaria encontra-se na cidade perdida de Kelsingra, onde os Antigos que lá vivem sofrem com as mutações físicas decorrentes do seu contacto com dragões. Graças ao uso do Talento, Fitz consegue curar todos aqueles em quem toca, para contentamento dos reis, Malta e Reyn. Como recompensa, eles providenciam-lhe embarcações e tripulação para a viagem até Clerres, onde pretende assassinar aqueles que pensa lhe terem morto a filha, nomeadamente os Quatro Brancos: Capra, Coultrie, Fellowdy e Symphe.
“O que destaco neste A Viagem do Assassino foram as faíscas que ele soltou na minha mente.“
Antes, porém, ele tem de lidar com a fúria do dragão Tintaglia, que não fica nada agradada com o facto de ele ter interferido com as mutações dos Antigos. Conta, no entanto, com o auxílio inesperado de Heeby, o dragão vermelho do General Rapskal, e percebe ali que os dragões também têm um motivo válido para querer ver os Servos destruídos. Ao lado do Bobo, Perseverança, Centelha, Lante e o corvo Matizada, Fitz inicia a sua viagem de morte rumo ao ninho dos Servos.
A viagem de FitzCavalaria e as revelações sobre o Bobo que ele vai descobrindo pelo caminho são detalhes de enredo que podiam ter sido oferecidos mais cedo, mas todo o treinador de bancada tem a sua opinião pessoal. Aceito as opções narrativas de Robin Hobb e não tenho como dizer que tudo ficaria melhor se fosse feito de outra forma. Todos os livros desta série até aqui têm sido maravilhosos da forma como foram escritos, e este não é excepção.
Estou completamente on fire e com as expectativas a mil para o capítulo final da Saga Assassino e o Bobo, mas este foi mais um livro empolgante, brilhantemente redigido e extremamente competente em toda a sua largura. Adorei as personagens que aqui foram apresentadas, os diálogos entre navios, as nuances de Vindeliar. Robin Hobb continua a conquistar-me com tudo o que escreve, com tudo o que diz, com a forma generosa e honesta com que continua a contribuir para que a fantasia épica seja encarada com a seriedade que merece.
Este livro foi cedido em parceria com a editora Saída de Emergência.
Avaliação: 9/10
O Reino dos Antigos:
Saga do Assassino (Saída de Emergência):
Saga O Regresso do Assassino (Saída de Emergência):
Saga Assassino e o Bobo (Saída de Emergência):
#4 A Viagem do Assassino
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